Lilá Brown reacende debate sobre racismo em grupos no Facebook.
Estive perdido olhando minha timeline do Facebook esta semana, procurando algum material do qual pudesse render uma postagem para o site - sim, eu faço isso, acho importante, quando me detive em uma das dezenas de postagens de grupos desta rede social. A postagem em questão, estava num grupo de bastante relevância - para não dizer "famosinho", com certa ascendência quanto ao número de fãs que o adere. Nela, podia-se notar a imagem de um print retirado via celular, o qual eu não vou reproduzir aqui, e em sua descrição, a dúvida de uma participante. A priori, me detive na dúvida: "Gente, eu estava lendo uma matéria e me deparei com isso, vocês lembravam disso?"
A postagem faz referência a personagem Lilá Brown, pertencente ao Mundo Mágico de J.K. Rowling e logo identifiquei a postagem sendo do Nó de Oito, site conhecido por trazer um conteúdo altamente relevante acerca de questões que a maioria dos fãs ignoram. A postagem intitula-se Personagens Não-Brancos em Filmes de Fantasia – Vilões, Monstros ou Figurantes, e pode ser lido na íntegra clicando aqui. O trecho em questão, eu irei citar na íntegra, logo abaixo:
Já em Harry Potter, uma atriz asiática foi escalada para interpretar Cho Chang (que nos livros também é asiática), mas atores e atrizes negros foram escalados, em sua maioria, apenas como figurantes ou personagens secundários também já descritos como negros nos livros, como Dino Thomas, Lino Jordan, Angelina Johnson e Kinsgley Shaklebolt. E pior: a personagem Lilá Brown (que não tem sua cor de pele descrita nos livros) foi interpretada por atrizes negras até o sexto filme, quando o papel passou para uma atriz loira de olhos azuis. Curiosamente, é no sexto filme que Lilá finalmente tem falas e se torna o interesse amoroso do melhor amigo do protagonista.
Os incessantes comentários na publicação faziam a postagem reaparecer incansavelmente em minha tela, e eu sabia que não seria benéfico, para minha saúde mental, ler os comentários advindos de lá. Mas apostando minha pouca fé na humanidade, resolvi clicar e ler o que estava sendo discutido ali. Tudo ia bem, até que avistei um meme, publicado por uma pessoa branca - sim, é necessário frisar isso, dizendo:
as vezes indivíduo está louco na problematização,
Seguiu-se uma discussão acalorada, onde falou-se de "racismo reverso", privilégios, alguns administradores apareceram para colocar ordem e comentários relevantes, e a moça do comentário/meme acima apareceu para soltar mais um meme, e nenhum argumento que somasse. Nenhuma novidade, é o que se pode esperar de pessoas com esse tipo de posicionamento. O que diabos esses fãs aprenderam lendo/assistindo à saga, eu realmente não sei, permanece o mistério mas, vamos lá. Vamos começar a verdadeira problematização.
Sabemos que existem diversos debates acerca do universo de Harry Potter que talvez nunca sejam elucidados, e claro que um desses, inclui a primeira namorada de Rony Weasley, a conhecida Lilá Brown, como já citei acima. O que se acredita desde as aparições nos filmes da saga é que possivelmente Lilá tenha sobrevivido depois de "Harry Potter e as Relíquias da Morte", após o ataque de Fenrir Greyback, ou se preferir, como afirma o Pottermore, não há nenhuma informação de presumido morto no perfil da personagem, levando os fãs a acreditarem que ela tenha se recuperado. Mas não nos ateremos a isso.
Jennifer Smith e Kathleen Cauley, foram as atrizes que interpretaram a Lilá Brown nos filmes anteriores a "Harry Potter e o Enigma do Príncipe", quando ela foi trocada por uma atriz adolescente cacausiana. Exposto esse fato, quero trazer a tona essa discussão que se espalhou como pólvora nos demais grupos aos quais estou incluído, e que é de suma importância, o racismo velado na escolha de atores e atrizes, fazendo com que personagens secundários experimentem uma mudança tão drástica ao longo dos filmes. Lilá é mencionada em "Harry Potter e a Pedra Filosofal", como uma aluna do primeiro ano, que foi escolhida para a Grifinória.
Mádi Brocklehurst foi para a Corvinal também, mas Lilá Brown foi a primeira a ser escolhida para a Grifinória e a mesa na extrema esquerda explodiu em vivas; Harry viu os irmãos gêmeos de Rony assobiarem. (Harry Potter e a Pedra Filosofal, p. 70)
A persoangem permanece em segundo plano até a página 98 do livro, onde Harry e Rony ouviram Parvati contar à amiga Lilá que Hermione estava chorando no banheiro das meninas e queria que a deixassem em paz. Não há mais nenhuma menção à personagem, mas ela volta a aparecer novamente no segundo livro da série, "Harry Potter e a Câmara Secreta", no trecho extraídos da página 89:
Dino Thomas, que estivera sentado com a boca aberta, espiando para fora da janela, acordou de repente do seu transe; a cabeça de Lilá Brown deitada sobre os braços se ergueu e o cotovelo de Neville Longbottom escorregou da carteira.
Não voltando mais a aparecer, a personagem mais uma vez desaparece e volta em "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" quando o seu coelho de estimação Bínqui morre, comprovando a veracidade de uma das diversas previsões de Trelawney.
Seguiu-se um silêncio muito tenso a essa predição, mas a Profa Sibila pareceu não tomar conhecimento. – Será, querida – dirigiu-se ela a Lilá Brown, que estava mais próxima e se encolheu na cadeira –, que você poderia me passar o bule de prata maior? Lilá, com um ar de alívio, se levantou, apanhou um enorme bule na prateleira e pousou-o na mesa diante da mestra. – Obrigada, querida. A propósito, essa coisa que você receia vai acontecer na sexta-feira, dezesseis de outubro. Lilá estremeceu.
Então, não ouvimos muito sobre ela novamente, até chegar no sexto livro da saga, "Harry Potter e o Enigma do Principe", onde como uma personagem secundária da primeira metade da série, presume-se que sua trajetória não tenha sido de fato, uma árdua tarefa. Pode-se notar que Lilá Brown não apareceu muito desde o princípio, assim, os diretores de elenco não teriam com o que se preocupar, já que não havia nenhuma inclinação de que Lilá emergisse posteriormente, com um papel de destaque.
E é aí que chegamos ao grande xis da questão: por que mudar o elenco, ou reformular o papel, quando já haviam atrizes desempenhando o papel?
Uma das possibilidades poderia ser o fato que a produção do filme, tenha sentido a necessidade de encontrar uma artista mais forte, visando a atuação, e originando uma nova seleção de elenco, que levou à escolha da atriz Jessie Cave. E isso nos leva ao empasse de que, pode-se encontrar todo tipo de informação sobre isso na internet. Duvida? Pois bem, um usuário do Reddit afirma que havia dezenas de atrizes negras nas audições para o novo papel de Lilá Brown, e que Cave simplesmente foi a "mais adequada" para o trabalho.
É importante salientar que eu não estou dizendo que a Jessie Cave tenha feito um trabalho porco em seu papel, porque não o fez. Inclusive senti muita raiva da personagem vivida por ela, o que a tornou uma fenomenal Lilá Brown, mas parece que mais uma vez, uma atriz emergente perdeu seu papel, e consequentemente, seu emprego, depois que sua personagem revelou ser de maior importância que a sua concepção original.
E isso ocorre o tempo todo, o que nos leva a outro questionamento: por que então Lilá mudou de etnia?
Se realmente houvesse a necessidade de encontrar uma atriz com uma forte atuação, sei que existem centenas de meninas de afrodescendentes que poderiam ter feito o papel brilhantemente, tornando a transição mais sutil e coesa. Mas o que vimos foi a Lilá se tornar branca ao longo de dois filmes, já que ela não é vista em "Harry Potter e o Cálice de Fogo", e em "Harry Potter e a Ordem da Fênix", e quem poderia explicar isso? A existência de casais interraciais está escancarada na obra: nós vemos o encontro amoroso de Gina Weasley e Dino Thomas, Fred Weasley e Angelina Johnson, e mais, Harry e Rony participam do Baile de Inverno com Padma e Parvati. E talvez haja apenas uma razão, bem mínima, para desculpar isso tudo: os relacionamentos citados anteriormente não ganharam muito tempo de tela, ou seja, são exibidos muito rapidamente, o que pode tornar essas coisas totalmente irrelevantes para os frequentadores casuais de filmes.
Nos resta apenas imaginar o impacto que seria se a Lilá Brown continuasse em sua forma original, tendo Rony como namorado, sendo ela uma garota negra? Pois esta foi mais uma grande oportunidade perdida, para demonstrar a diversidade nos filmes e compartilhar com os fãs da série que os casais mistos fazem parte da vida cotidiana.
Se colocarmos em perspectiva, e é importante que o façamos, existem cinco personagens negros conhecidos em toda a série de filmes: Dino Thomas, Angelina Johnson, Kingsley Shacklebolt, Lino Jordan e Blaise Zabini. Apenas cinco, tornando evidente a falta de diversidade, e a ocasião de apresentar outro personagem negro foi colocada em uma bandeja de prata para os produtores, que ignoraram veladamente.
A série Harry Potter é conhecida por ensinar diversas gerações. São numerosos os ensinamentos, e a diversidade das relações raciais poderia ser um poderoso acréscimo à esta lista. A origem étnica de Lilá Brown continua, e continuará sendo algo que as pessoas irão questionar na série de filmes, ainda que nada mais possa ser feito, já que os filmes já foram concluídos. Que o erro não se repita, que o racismo velado na indústria cinematográfica acabe, e que os fãs sejam críticos e maduros para levantar questionamentos importantes acerca do tema, não repetindo falácias, aproveitando muitas vezes do seu privilégio de cor. Sair da zona de conforto é importante para tornar não só a série em si, mas o mundo, algo acessível a todos. Afinal, representatividade é algo muito importante.
Os fãs mais apaixonados pela saga, e também, os mais responsáveis socialmente, sempre irão trazer à tona o total apagamento da cor de Lilá Brown, assim como a sua representatividade. Caso você tenha interesse, ou deseje se debruçar sobre este tema, deixo a brilhante postagem, também do site Nó de Oito, intitulada: Hermione é Negra: Isto Pode ser Uma Pergunta ou uma Afirmação, Dependendo de quem Lê.
Para mais informações sobre a Lilá Brown, ou dúvidas que venham a recorrer, você pode dar uma olhada em seu infográfico de personagem no site Pottermore.
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Eu juro solenemente não fazer nada de bom.